Dentre as preocupações de garantir espaço sadio de desenvolvimento às crianças e adolescentes em ambiente digital, fácil perceber a necessidade de regulamentação do trabalho influenciadores digitais mirins.

Muitos são os aspectos que devem ser analisados: cuidados relativos ao tempo para lazer e estudo do youtuber, guarda e boa administração da remuneração por ele recebida, excessiva exposição da imagem, publicidade irregular e sua responsabilização, exploração de conteúdos que estejam de acordo com as classificações indicativas e, no futuro, o direito ao esquecimento e eventual retirada dos conteúdos das redes.

De fato, a regulamentação sobre o trabalho de youtubers mirins é tema polêmico e discutido no âmbito jurídico nacional e internacional. Em outubro de 2020 a França foi o primeiro país a estabelecer regras (lei 2020 – 1266) e tende a influenciar os demais países a também enfrentar o desafio de forma clara e expressa.

De acordo com elaborador do projeto de lei francês, Bruno Studer1, deputado e presidente da comissão da cultura e educação do Palais-Bourbon, o texto pretende preencher uma lacuna jurídica concernente a “uma nova forma de empreendedorismo e expressão artística” que emergiram nos últimos dez anos.

A partir da publicação da lei, a atividade das crianças menores de 16 anos em que tiverem sua imagem divulgada nas plataformas de vídeo online estarão regulamentadas pela lei. Assim, com o intuito de responder ao fenômeno crescente das “crianças youtubers”, a nova norma traz uma nova relação de trabalho e um novo enquadramento à atual forma de atividade envolvida em redes como Instagram, Facebook, TikTok e outros.

De acordo com a norma2, as crianças “influencers” terão sua atividade protegidas pelo código do trabalho exatamente como as previsões dirigidas às crianças que desempenham trabalhos nas mídias e canais de comunicação franceses, tais como, apresentadores de televisão, estrelas de novelas e cinema e modelos publicitários menores de 16 anos. Sendo assim, colocou-se fim, naquele país, em relação à discussão levantada pelas plataformas de que as atividades desenvolvidas por esses menores nas redes seriam momentos de legítimo lazer.

Dessa forma, os pais ou responsáveis deverão demandar autorização individual perante a administração responsável do Estado para a vinculação de vídeos e conteúdos gerados pelos filhos em meio digital. Além disso, os responsáveis pela criança terão uma nova obrigação financeira perante a atividade dos infantes: com o advento da lei, a receita obtida pelos filhos através de sua atividade on-line deverá ser submetida à uma espécie de poupança federal (Caisse des Dépôts et consignations), ficando sob vigilância do Estado até que a criança atinja a maioridade ou ainda seja emancipada pelos pais3.

Na França, tais regras já são aplicadas às crianças que trabalham como atrizes e apresentadoras em mídias e canais de telecomunicações e são submetidas a fim de evitar que os pais usem o dinheiro da criança apenas em benefício próprio, assegurando, assim, o empenho correto dos valores recebidos.

Além disso, com a maior vigilância do Estado sobre o desempenho dessas crianças on-line, outras questões pertinentes ao trabalho serão supervisionadas, tais como horários, duração de turnos, obrigações e outros aspectos das normas trabalhistas, impondo-se limites para que não haja prejuízo da vida escolar e de lazer da criança.

Segundo Bruno Studer, a renda das postagens pode chegar a chegar a ? 150.000 (cento e cinquenta mil euros) por mês, o que permite a alguns pais parar de trabalhar. Frisa, ainda, que se trata de uma atividade mercantil e que precisa levar em conta a vulnerabilidade das crianças e esse é um dos principais objetivos da lei4-5.

Outrossim, um importante aspecto da nova lei diz respeito ao alcance que o fenômeno dos youtubers mirins trazem as novas gerações. Diante da grande influência que exercem no público de jovens, a maior fiscalização de suas atividades permite que a comunicação entre as crianças e as estrelas mirins seja mais benéfica.

Dessa forma, por ser grande influência à geração atual, o papel desses Youtubers Mirins demonstra importância na educação dos jovens e crianças. Assim, além do controle necessário exercido primariamente pelos pais no consumo das mídias, algumas regras e controles podem e devem ser estabelecidas no âmbito legislativo na atuação dessas crianças influencers, repercutindo na influência que exercem em seus seguidores.

A regulamentação no Brasil

No Brasil, tivemos duas tentativas de regulação da profissão de youtuber, sem que fossem devidamente aprovadas no Congresso Nacional. Trata-se do projeto de lei 4.289/2016, que se encontra arquivado na Câmara dos Deputados e do projeto de 10.938/2018, retirado de pauta a requerimento do autor do projeto.

Da mesma forma, o Brasil não tem regulamentação específica a respeito do trabalho artístico. A Constituição Federal, em seu artigo 7º, XXXIII, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos; e qualquer trabalho a menores de 16 – salvo como aprendiz, a partir de 14 anos. De outra banda, a lei 10.097/2000 regulamenta o trabalho na condição de aprendiz e a lei 11.788/2008 dispõe sobre estágio de estudantes, nada tratando das questões relativas ao desenvolvimento de atividades artísticas.

Como diferenciar o trabalho artístico do trabalho infantil? Considera-se trabalho artístico aquele desenvolvido pela criança ou adolescente em razão de suas qualidades e dons relacionados à música, arte, dança entre outras. Nesse passo, importante notar que os rendimentos do trabalho artístico não devem ser arrimo de família e os pais devem observar as regras de administração dos bens dos filhos estabelecidas pelo Código Civil.

Ademais, a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata sobre a idade mínima de admissão ao emprego, admite a possibilidade de trabalho artístico para menores de 16 anos, em situações excepcionais, individuais e específicas. Mas também especifica a necessidade de alvará individual, que deverá definir em que atividades poderá haver o trabalho e quais as condições especiais.

De fato, o inciso I do art. 149 da lei menorista prevê a competência do juiz da vara de infância e juventude para disciplinar, por meio de portaria, ou autorizar, mediante alvará, a entrada e permanência de criança ou adolescente desacompanhado dos pais ou responsável em shows e espetáculos públicos. Prevê também, no seu inciso II, a necessidade de expedição de alvará para a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos e seus ensaios e certames de beleza.

Assim, havendo o alvará, o contratante e os pais (ou responsáveis) pelo menor poderão efetivar o contrato de desenvolvimento de trabalho artístico, devendo os pais observarem as regras de administração dos bens dos filhos, bem como as limitações trazidas pelo alvará emitido pela autoridade judicial. O alvará deverá levar em conta a segurança da criança e do adolescente, o conteúdo, o tempo de lazer e estudo para que esteja de acordo com a lei.

De outra banda, o CONAR, através do Código de Ética Publicitária, traz, em seu art. 37, texto sobre regulamentação da publicidade infantil no Brasil. O caput do referido dispositivo importante alerta aos fornecedores para observar “os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes”.  Não há, no entanto, qualquer regulamentação expressa relativa ao trabalho do influenciador digital.

Assim, diante do vácuo legislativo específico para o regramento do tema, questionamos se as regras relativas à emissão de alvará previsto no art. 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente devem ser observadas para que haja o trabalho desenvolvido pelo influenciador digital menor de 18 (dezoito) anos. A resposta, aparentemente, é positiva, merecendo o tema pesquisa mais aprofundada.

Além disso, de se questionar a responsabilidade dos pais (ou responsáveis) em relação à administração da remuneração dos filhos advinda do trabalho desenvolvido através das redes sociais.

Sem dúvidas, a lei francesa veio em boa hora e poderia nos trazer luzes para o debate mais aprofundado e necessário sobre o tema.

*Roberta Densa é advogada em SP. Doutora em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP.

**Cecília Dantas é advogada em SP.

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